Camilo Pessanha

 

Camilo Pessanha


Água Morrente- Camilo Pessanha

Este poema de Camilo Pessanha, é uma ilustração das várias características do seu estilo e linguagem. 
Na analise que vem a seguir, os temas abordados serão: 

  1.  A musicalidade e vocalidade dos versos; 
  2.  A simbologia e a sensibilidade estética;
  3. A melancolia e a Efemidade e o desgaste. 

ÁGUA MORRENTE
          
Il pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville.
        
Verlaine
      

Meus olhos apagados,   
Vede a água cair.
Das beiras dos telhados,
Cair, sempre cair.

Das beiras dos telhados,
Cair, quase morrer...
Meus olhos apagados,
E cansados de ver.

Meus olhos, afogai-vos
Na vã tristeza ambiente.
Caí e derramai-vos
Como a água morrente

 1.A musicalidade e vocalidade dos versos; 

Neste pequeno poema, a musicalidade produzida pelo conjunto das palavras escolhidas pelo autor, é algo que não passa despercebido. Através dos sons suaves e rítmicos o autor consegue transmitir cenários necessários enquanto a leitura do poema. Com isto, é proporcionada não só uma experiencia de leitura única ao leitor, assim como uma submersão contemplativa de tudo o que lê, o que  normalmente gera um agrado.   

     2- A simbologia e a sensibilidade estética;

De facto é possível observar a descrição da «água» como uma metáfora com a vida e o seu ciclo. 
O passar do tempo pode parecer por um lado, um apodrecimento, seja de memórias mas também connosco mesmos, até porque envelhecemos e é algo natural que não poderemos mudar.  Por este motivo, a Efemeridade, ou seja a duração a curto prazo da nossa existência, é o tema central debatido pelo "eu lírico" que espelha o seu estado de espírito. 


3-A melancolia e a Efemidade e o desgaste.  

A melancolia é a emoção central deste poema. Como é possível identificar através da visão pessimista do tempo e da vida, como se tudo fosse em vão e o esforço não compensa-se nada, tal como a finitude.
É ainda possível acrescentar a procura faminta de uma qualidade sublime ou superior, típica do simbolismo, visíveis pelas descrições entre a realidade e o sonho, o consciente e inconsciente. 
Por fim, a semelhança partilhada com o ambiente/ natureza que se encontra em declínio, representa não só a vida metaforicamente, mas também partilha uma perspectiva negativa acerca do tempo e da morte, mais um traço do simbolismo de Pessanha.

Recursos expressivos

Metáfora: A água é uma metáfora para o fluxo da vida e a transitoriedade. Exemplo: "Água morrente" – a água que se esvai simboliza o passar do tempo e a morte.

Aliteração: A repetição de sons consonantais cria musicalidade e reflete o escoamento suave da água. Exemplo: "água morrente", onde o som do "r" sugere o movimento contínuo da água.

Assonância: A repetição de sons vocálicos também contribui para a sonoridade do poema. A repetição do "o" cria uma cadência suave, enfatizando a ideia de um som que desaparece.

Personificação: A água é tratada como se tivesse características humanas, como a capacidade de "morrer". Exemplo: "Água morrente".

Antítese: A oposição entre vida e morte é sugerida pelo contraste entre a água (vida fluída) e sua morte gradual. Exemplo: a água que "morre" e escorre lentamente.


Esquema rimatico

abab

acac

dede

rima cruzada em todo o poema




É possível concluir que:

  Camilo Pessanha reúne neste poema uma série de características do seu simbolismo, um lirismo denso, repleto de ilustrações sensoriais. E ainda uma visão profunda sobre a fragilidade humana.     


Analogia com o poema «II pleure dans mon cour»  de verlaine ( verleine)


Tradução:

Chora no meu coração

Qual chove sobre a cidade;

Que languidez é então

Que adentra em meu coração?


Ó doce rumor da chuva

Pela terra e sobre os tetos!

Para um coração em tédio,

Ó a cantiga da chuva!


Chora sem qualquer razão

Neste coração cansado.

O quê! Nenhuma traição?...

Este luto é sem razão.


É mesmo a pena pior

Desconhecer o porquê,

Sem ódio e sem todo o amor,

Meu coração a sofrer.



Identifica as três palavras em torno das quais, se desenvolve o poema.

Analisa a dimensão simbólica da composição.

Menciona dois recursos que contribuem para a musicalidade do poema.

1. Três palavras centrais:

   - Água: Representa o fluxo da vida e a efemeridade

   - Morrente: Refere-se ao processo de morrer lentamente. Exemplo: "Água morrente".

  -Degradação, de tudo.


2. Dimensão simbólica:

   - A água simboliza o fluxo da vida e sua transitoriedade, enquanto a morte é gradual, representada pela água morrente.


3. Recursos de musicalidade:

   - Aliteração: Repetição do som "r" em "água morrente".

   - Assonância: Repetição do som "o" em "som que morre".

Feito com chat gpt

A Máquina do Mundo - 2 analogia

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
“O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste… vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo o que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;

é a memória dos deuses, e o solene
sentimento da morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.

de Carlos Drummond


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